FRONTISPÍCIO DAS ARTES

A arte começa onde a imitação acaba. Oscar Wilde

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Bienal de SP abre com 850 obras de 159 artistas distante do vazio da edição anterior


SÃO PAULO - O pavilhão de 30 mil metros quadrados projetado por Oscar Niemeyer, no Parque do Ibirapuera, transformou-se num grande labirinto para receber a 29ª Bienal de São Paulo, que será inaugurada nesta terça-feira para convidados e no sábado para o público. O projeto de uma exposição que une arte e política, pensado pelos curadores Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias, motivou também o projeto de arquitetura de Marta Bogéa, que criou salas de diferentes proporções entre corredores por onde o espectador facilmente se perde. Essas salas e seu entorno reúnem 850 obras de 159 artistas, um número que chama a atenção numa edição que levou um pouco mais de um ano para ser montada - e que sucede a chamada Bienal do Vazio, caracterizada pelas pouquíssimas obras. O número aumenta se for levada em conta a programação de cerca de 300 eventos que serão realizados nos seis espaços batizados de terreiros, funcionando como praças de encontro, refúgios do labirinto.
Leia mais: Artista 'mata' Lula, FH e outros políticos na obra mais polêmica da Bienal de SP

- A Marta criou um espaço estilhaçado, que convida a uma certa deriva por praças, vielas e becos. O público tem que decidir que caminho tomar e, sentindo-se perturbado, pode sempre correr para a luz, para as avenidas junto às janelas - afirmou Farias na coletiva de imprensa realizada na segunda-feira no pavilhão. - A arquitetura da exposição se contrapõe à lógica do espaço do Niemeyer, de uma perspectiva moderna, desenvolvimentista.
Confira a galeria de fotos de algumas das 850 obras da exposição.

O contraponto a essa perspectiva também é evidente na obra "Bandeira branca", de Nuno Ramos, que ocupa todo o vão central do pavilhão. Ali, cercados por uma rede, três urubus transitam entre três esculturas escuras, com caixas de som tocando as músicas "Bandeira branca", "Carcará" e "Boi da cara preta". É como um choque repetido pela exposição, que, ainda que trate de política de modo amplo e poético, reúne algumas obras de caráter claramente combativo, como a série de desenhos "Inimigos", de Gil Vicente; a instalação "Arroz e feijão", de Anna Maria Maiolino; as 12 esculturas de "Círculo de animais", do chinês Ai Wei Wei, constantemente censurado pelo governo da China; e "Fantasmas de Nabua", filme do tailândes Apichatpong Weerasethakul (vencedor da Palma de Ouro em Cannes este ano), que mostra um jogo de futebol com bolas de fogo.
Foto Eliária Andrade / Agência o Globo

Isso não impede que esta bienal seja muito mais otimista do que a de dois anos atrás, quando o pavilhão praticamente vazio se tornou melancólico. O clima de entusiasmo com a recuperação de uma instituição que há um ano se considerava praticamente falida é visível não só entre os organizadores, mas também na presença significativa de jornalistas do Brasil e do mundo todo. Quando assumiu a presidência da Bienal, em maio de 2009, o empresário Heitor Martins teve não apenas de quitar a dívida de R$ 5 milhões deixada por seu antecessor, Manoel Pires da Rocha, mas arrecadar R$ 30 milhões para realizar a exposição, quase quatro vezes mais do que foi gasto na 28ª edição. O secretário municipal de Cultura de São Paulo, Carlos Augusto Calil, afirmou e reafirmou na segunda-feira que a Fundação Bienal de São Paulo estava morta.

- A prefeitura acompanhou o declínio lento da bienal, e chegou-se a pensar que a salvação passaria por sua estatização. Mas ela foi salva. Foi a segunda vez que acompanhei a morte e a recuperação da bienal. A primeira foi no fim dos anos 70, quando o Sábato Magaldi teve a coragem de mantê-la viva. Mas ainda é uma instituição frágil, que precisa do apoio da sociedade e do poder público - disse Calil, cuja secretaria contribuiu com recursos, assim como o Ministério da Cultura e o governo do Estado de São Paulo.

Nesse contexto, torna-se ainda mais significativa a criação de espaços de discussão e união de linguagens artísticas nos seis terreiros, que abrigarão performances, projeções de filmes e debates. As performances serão realizadas logo na entrada, no terreiro "O outro, o mesmo" (título da obra do escritor argentino Jorge Luís Borges), criado por Carlos Teixeira com estruturas de papelão que podem tomar diversas formas. O papelão também é a cobertura de "A pele do invisível", pensado pelo esloveno Tobias Putrih para receber os filmes e vídeos, que serão exibidos durante toda a bienal, em dez programas. Em "Longe daqui, aqui mesmo", Marilá Dardot e Fábio Morais criaram um labirinto com tijolos e capas de importantes edições da literatura. Já os debates serão realizados nos terreiros "Eu sou a rua", projetado pelo escritório de arquitetura holandês UN Studio, e "Dito, não dito, interdito", criado pelo arquiteto Roberto Loeb e pelo artista Kboco para abrigar manifestações e encontros espontâneos do público. Por fim, os espectadores poderão descansar em "Lembrança e esquecimento", ambiente de acolhimento a cargo de Ernesto Neto.

- Os terreiros são espaços para que as pessoas possam decantar suas ideias. Tentamos montar uma exposição que não apenas tratasse de arte e política, mas que propiciasse o encontro e o entrechoque das linguagens e das opiniões. A ideia dos terreiros é celebrar não só a contemplação, mas a prática da política no espaço da bienal, sempre sob o signo da poesia. É a poesia que dá nome a esta edição - disse Farias, referindo-se ao título da exposição, "Há sempre um copo de mar para um homem navegar", verso do poema "Invenção de Orfeu", do alagoano Jorge de Lima.

Para Moacir dos Anjos, é o sentido poético da arte que a torna política:

- Queremos perguntar: O que pode a arte? De que modo a arte nos ajuda a entender o mundo? Toda arte que nos faz repensar as convenções e os consensos é política, não importa se ela comenta uma questão política. Por isso, reunimos tanto artistas jovens quanto históricos, porque o contemporâneo não é aquilo que está sendo feito agora, mas o que nos ajuda a pensar o mundo hoje - disse o curador, que, quando perguntado sobre a presença de apenas um artista da região Norte e um do Centro-Oeste do Brasil, ressaltou que o objetivo da exposição é justamente diluir fronteiras. - Os artistas não precisam apresentar uma carteira de identidade para tratar de determinadas questões, nem falar de certos temas só porque vivem em determinado contexto. Assuntos como ecologia e fronteiras indígenas estão tratados por dezenas de artistas. Não houve preocupação em estabelecer nichos identitários.

Seguindo a ideia de que a arte pode ser transformadora, a 29ª edição teve uma preocupação especial com o projeto educativo, com a criação de jogos distribuídos a professores de todo o estado de São Paulo, para provocar reflexão sobre a arte de forma lúdica.

Nenhum comentário:

Postar um comentário